sem Ele, Cristo Jesus". O
próprio Cristo foi o agente
por meio do qual, Deus, o Supremo Arquiteto, criou todas as coisas. Este é que é chamado o Unigênito de Deus, viria a ser, justamente, impróprio
aplicar esta expressão a qualquer ser criado no sentido comum da palavra,
porque Jesus é o Cristo, e cada planeta tem também o seu Cristo.
Ora, a censura que Ele traz contra os
laodicenses é que são tíbios, eles são indiferentes, isto é, são apáticos, não são
frios propriamente como a frieza. O que impõem é uma posição mundana, o que
lhes falta é aquele fervor religioso, aquela fé, aquele zelo, aquela devoção
que exigirá deles a posição que ocupam na história final do mundo. E esta
tibieza, esta apatia, é manifestada pela ausência de boas obras, e é pelo
conhecimento das suas obras que a testemunha fiel e verdadeira faz essa
terrível censura contra eles, então, diz: "Oxalá fosses frio ou
quente".
Três estados são apresentados nesta
mensagem: o frio, o morno ou tíbio, e o quente. É importante determinar a
condição que cada um representa, a fim de nos precavermos contra conclusões
errôneas, precipitadas. Podem considerar-se três condições de vida espiritual
com respeito à Igreja, e, aqui, não se fala de uma igreja particular: é a
Igreja Universal, toda a Cristandade, dividida com diversos nomes. É a Igreja do Novo Mandamento que reúne todas
as boas ovelhas que estão em todos os rebanhos, esta é a Igreja de Deus, esta é
a Igreja do Cristo. Não é difícil conceber o que significa a forma quente.
Imediatamente nos lembramos do estado de intenso fervor, de zelo, em que todas
as aflições, elevadas ao mais alto grau, se concentram em Deus e sua divina
causa, e se manifestam em obras correspondentes.
Mas, meus amigos e meus irmãos, a
tibieza é, exatamente, a falta de zelo, deste fervor, do estado sem coração,
sem entusiasmo, indo até ao cinismo. O estado em que não há abnegação desde que
custe alguma coisa, nem vontade de levar uma cruz que pese, nem decidir do
testemunho da Palavra de Deus, não só da combatividade valorosa que mantenha
retesados os nervos como armadura bem corrigida. E o que é pior: o sentimento
de completa satisfação deste estado lamentável. Não será este o cinismo do
século, o deboche entronizado?
Já o ser frio, o que é? Será o estado
de corrupção, de impiedade, de sarcasmo, que caracteriza o medo dos descrentes?
Não podemos pensar assim, por várias razões. Seria chocante repetir, supor que
Jesus desejasse, sob qualquer circunstância, que as pessoas estivessem em tal
condição de frieza. Como diz: Oxalá fosses frio ou quente! Nenhum estado pode
ser mais ofensivo para o Cristo do que o de pecador na aberta rebelião, e com o
coração cheio de toda espécie de maldade. Isso seria, portanto, incorreto,
supor o Cristo preferindo esse estado a
qualquer posição que seu povo possa ocupar enquanto é ainda retido como Povo.
O motivo da ameaça e rejeição, do
versículo 16, é que não são frios nem quentes. Talvez isto quer dizer que se fossem
frios ou quentes não seriam rejeitados? Mas se
o frio significa um estado
de aberta impiedade mundana seriam rejeitados por este
mesmo fato, de onde concluímos que não pode ser este o seu significado. Por
conseguinte, nos vemos forçados a concluir que, por esta linguagem, nosso Senhor
não se refere, de modo algum, aos que estão fora dessa Igreja, de seu rebanho
único. Aos seus (do rebanho único) três graus das questões espirituais, dois
dos quais mais aceitáveis aos seus olhos do que o terceiro. O calor e o frio
são preferíveis à mornidão.
Mas que espécie de estado espiritual é
significado pelo termo "frio"? Devemos ressalvar, primeiro, que é um estado
de sentimento. Sob este aspecto é superior á tibieza, que é um estado de
insensibilidade, de indiferença, suprema satisfação própria, entretanto, só
devendo encontrar-se no estado de sentimento. E, assim, como quente, que representa
alegre fervor no vivo exercício das afeições, com o coração transbordante de
sensível presença de Deus, assim, também, por frio, podemos compreender uma
condição espiritual caracterizada pela ausência desses traços, aquelas em que o indivíduo sente essa ausência e
anseia recuperar o seu tesouro perdido.
Entenderam bem? Este é o crime a que
Jesus se refere, não para elogiar, mas nesse sentido de se recuperar. Esse
estado deve estar bem expresso pela linguagem do patriarca Jó (qualquer um pode
examinar no capítulo 23, versículo 3, do Livro de Jó, no Velho Testamento da
Bíblia Sagrada): "Ah! Se eu soubesse onde o poderia encontrar!" Nesse
estado não há indiferença nem contentamento, o que há é uma sensação de frieza,
incapacidade e mal estar. Um como que tatear a busca de alguma coisa melhor. E
o "frio" sabe o que existe, há esperança para uma pessoa nesta
condição. Ela se esforça por encontrar aquilo que sente, o que lhe falta.
Já o mais desanimador no aspecto
"tíbio" ou "morno" é a inconsciência do estado em que se
encontra: a impressão de que não tem necessidade de nada (quanto pior, melhor),
nada lhe falta. Assim se compreende bem o motivo porque Jesus preferia, em seu
rebanho único, um estado de insatisfação, mas não de tibieza. Um estado,
digamos, de frieza transitória, mas não dessa tibieza confortável, indiferente
e insensível. Uma pessoa não permanece muito tempo fria, seus esforços a
levarão, brevemente, ao estado de fervor, da fé. Mas o "tíbio", o
"morno", está em perigo se permanecer assim até que a
"testemunha fiel e verdadeira" seja obrigado a rejeitá-lo como coisa
estagnada e repugnante. Daí a expressão violenta: "Como não és frio nem
quente, eu te vomitarei da minha boca".
Aqui é reforçada, ainda mais, a figura
da rejeição do "tíbio", ilustrada pelos nauseantes efeitos da água
estagnada, significando, assim, uma rejeição total, uma completa separação do
rebanho único; não há lugar para gente dessa espécie. E, esta gente,
evidentemente, faz uso do seu livre arbítrio; não é Deus que assim quer, não é
Jesus, não é o Espírito Santo. É a própria pessoa, que no uso consciente do seu
livre arbítrio, prefere a mornidão, o cinismo da tibieza, da apatia espiritual.
E ainda diz: "- Estou rico, estou enriquecido", é o que
os laodicenses pensam quando estão nessa condição. E não são hipócritas, porque
não sabem que são pobres, miseráveis, desgraçados, cegos e nus, então, o Cristo
lhes dá um conselho. O conselho que lhes
é dado por Jesus: "Compra de mim, diz a verdadeira testemunha, ouro
provado no fogo, para que te enriqueças, e vestes brancas para que te vistas, e
unges os teus olhos, com colírio, para que vejas".
Isto mostra logo, aos indivíduos laodicenses,
os objetivos que lhes faltam e a extensão de sua pobreza deplorável. Mostra,
também, onde pode obter aquilo de que tanto carecem e lhes apresenta a
necessidade de obterem sem nenhuma demora. O caso é tão urgente que o nosso
grande advogado, que é Jesus, nos envia um conselho especial sobre este ponto. E
o fato de que Aquele que condescende e indica o que nos falta, nos aconselha a
comprar Dele mesmo, nos convida a
procurá-las junto de Si mesmo. É a melhor garantia de ser respeitado o nosso
esforço e de ver atendido o nosso pedido. De ser aceito por Deus a nossa
súplica.
Mas como devemos comprar estas coisas?
Este ouro provado no fogo?
Exatamente como compramos todas as
outras graças do Evangelho: "Ó vós, todos vós que
tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro vinde,
comprai e comei, vinde e comprai sem dinheiro e sem preço, vinho e leite"
(é o que está no profeta Isaías, capítulo 55, versículo 1). Deste modo
compramos pedindo, isto é, comprar de graça, meus amigos, meus irmãos.
Compramos lançando fora as inúteis ninharias do mundo, e recebemos, em seu
lugar, tesouros inestimáveis. Compramos Dele simplesmente, e recebemos Dele, do
nosso Redentor. Compramos e nada dando em paga.
O que é que compramos nós,
assim de graça?
- O pão que não perece, pão eterno,
imaculadas vestes que não se mancham, riquezas que não se corrompem, segurança
que não se dissipa jamais.
Estranho comércio este! Todavia, Jesus
condescende tratar assim seu rebanho único. Ele podia obrigar-nos a ir como os
demais pedintes e até nos humilhar, mas, ao contrário disso, Ele nos dá
tesouros da Sua graça e em troca recebe a nossa indignidade para que recebamos
as bênçãos que nos concede, não como esmolas atiradas aos mendigos, mas como
legítimas aquisições de compras honradas. Isto é extraordinário, e exprime bem o
amor infinito de Jesus com relação a cada de um de nós. As coisas que se deve obter reclamam uma
atenção particular, e são enumeradas do seguinte modo:
1) "Ouro" - considerado
literalmente - é o nome que abrange todos os bens e riquezas da terra. No
sentido figurado deve significar as riquezas espirituais. Que graça é, então,
representada pelo "ouro", ou antes, que graças são representadas pelo
"ouro"? Porque, sem dúvida, a ampla compreensividade destas coisas
não corresponde apenas a uma graça. O Senhor disse à Igreja de Esmirna que
sabia da sua pobreza, mas que era
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