quarta-feira, 10 de julho de 2019


repousassem ainda um pouco de tempo, até que também se completassem o número dos seus conservos e de seus irmãos que haviam de ser mortos como eles foram."

Isto é muito bonito mesmo, é um livro impressionante! Ora, os acontecimentos que ocorrem debaixo do quinto selo são o clamor dos mártires por vingança e a entrega de vestes brancas. Eis as perguntas que, imediatamente, pedem solução:

- Refere-se este selo a um período de tempo? Mas que período?

- Onde está o altar debaixo do qual foram vistas estas almas? Quem são estas almas? Qual é a sua condição?

- Que significam as vestes brancas que lhe são dadas?

- Quando repousam por um pouco de tempo?

- E que significa a expressão "seus irmãos serem mortos como eles próprios o foram"?

Temos de dar uma resposta satisfatória a todas estas perguntas.

1ª) O quinto selo refere-se a um período de tempo. É razoável que este selo, como todos os outros, se refira a um período de tempo, e não nos podemos enganar na data da sua aplicação no caso de termos localizado bem os selos precedentes. Vindo a seguir, ao período de perseguições religiosas mais desenfreadas, o tempo abarcado por este selo teria de se iniciar quando a Reforma começasse a minar o ANTICRISTÃO EDIFÍCIO ROMANO E A RESTRINGIR O SEU PODER PERSEGUIDOR.
2ª) O altar. Não pode tratar-se aqui de qualquer altar no céu, porque é, evidentemente, o lugar onde estas vítimas foram mortas: o altar do sacrifício. Aliás, sobre este ponto, escreve Clark: "Foi-lhe mostrada uma visão simbólica em que ele viu um altar".  E, debaixo dele, as almas dos que tinham sido mortos pela Palavra de Deus, martirizados pela sua dedicação ao Cristianismo e não ao cristianismo mistificador, o cristianismo dos homens. Nós nos referimos ao Cristianismo do Cristo, que é o único e verdadeiro. E estas almas são aqui apresentadas como mortas, vítimas, há pouco, da idolatria, da superstição e do fanatismo. Em consequência o altar está na terra e não no céu. Uma confirmação deste ponto de vista está no fato de que São João contempla cenas que se passam no mundo, no nosso mundo. As almas são representadas debaixo do altar, certas como é que o sangue das vítimas, que ali foram mortas, correria para baixo dele e elas próprias cairiam a seu lado.
3ª) E as almas debaixo do altar?
Esta figura é, popularmente, considerada como prova de peso na doutrina do estado desincorporado, desencarnado: o estado consciente dos mortos ou dos espíritos.
Pretende-se que aqui se trata de almas vistas por São João no estado desincorporado, consciente, com pleno conhecimento do que se estava passando. Por quê? Porque clamavam vingança para os seus perseguidores. Ora esta interpretação é inadmissível por diversos motivos:
a) a opinião popular coloca estas almas no céu, mas o altar do sacrifício sobre que foram mortos e debaixo do qual foram vistas, não pode encontrar-se lá, porque o único altar que sabemos existir lá é o ALTAR DO INCENSO, e não seria correto representar-se como estando debaixo do ALTAR vítimas recentemente mortas, visto que esse ALTAR nunca foi consagrado a semelhante uso;
b) repugnaria todas as nossas ideias, acerca do estado celestial, representar almas no céu acaçapadas debaixo de um altar. Inconcebível!
c) Poderemos supor que a ideia de vingança reine ainda tão soberanamente nas almas que estão no céu, que, apenas alegrias e glórias desse estado inefável, ainda se encontram insatisfeitas, constrangidas até que Deus tome vingança dos seus inimigos? Não teriam, antes, motivo de se alegrarem pelo fato de a perseguição ter levantado sua mão contra eles e os ter, assim, levados mais depressa à presença do Redentor e, junto do Cristo, à plenitude de alegria e prazeres sem fim? Mas, além disso, a opinião popular que coloca estas almas no céu, coloca, ao mesmo tempo, os ímpios no lago de fogo, onde se contorcem num tormento indescritível em plena visão da hoste celestial. Isto que pretendem é apoiado pela parábola do rico e do Lázaro, contada pelo próprio Jesus no Evangelho segundo São Lucas, no capítulo 16. Ora, as almas que aparecem sob o quinto selo são as que foram mortas sob o selo precedente, dezenas de anos e muitas delas centenas e centenas de anos antes. Sem dúvida alguma os seus perseguidores já tinham todos passados do estado de ação e, segundo a opinião referida, já se encontravam todos sofrendo os tormentos do inferno que estava diante dos seus olhos.
Como se não estivessem, porém, satisfeitas com isso, clamavam a Deus como se Ele estivesse retardando o julgamento, a vingança contra seus assassinos. Mas que maior vingança podiam elas querer, pois se os seus perseguidores estivessem ainda na terra? Elas deviam saber, perfeitamente que, quando muito, dentro de poucos anos se uniriam à vasta multidão que, diariamente, é arremessada para o mundo do sofrimento através da porta da morte. Todavia, mesmo nesta suposição, não aparece em melhor luz a sua viabilidade. Uma coisa pelo menos é evidente: a teoria popular acerca da condição dos mortos (justos e ímpios) não pode ser correta, ou então, não é correta a interpretação geralmente dada a esta passagem, porque se excluem mutuamente. Mas insistem em que estas almas devem ser conscientes porque clamam a Deus.
Este argumento seria de peso se não houvesse uma figura de retórica chamada personificação. Mas, havendo, vem a propósito debaixo de certas condições, atribuírem vida, ação, inteligência a objetos inanimados. Vamos recordar, por exemplo, Moisés, no seu livro Gênese, capítulo 4, versículos 9 e 10: "O sangue de Abel clamando a Deus desde a terra". No profeta Habacuque, no capítulo 2, vamos ver "a pedra clamava da parede e a trave lhe respondia do madeiramento"; "O jornal dos trabalhadores retido por fraude (jornal quer dizer salário) clamou e os clamores entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos" (Tiago, capítulo 5, versículo 4). Assim podiam clamar as almas mencionadas nesse texto, provando, por isso, que elas não sejam conscientes.
O absurdo da opinião popular sobre este versículo, é tão evidente que Burt faz a seguinte concessão: Não devemos supor que isto sucedeu literalmente, isto, é, ao pé da letra. Que São João viu as almas dos mártires debaixo de altar, porque toda representação é simbólica. Nem devemos supor que os injuriados e maltratados estejam agora no céu a pedir vingança contra aqueles que os maltrataram, ou que os remidos no céu continuem orando com referência às coisas do mundo. Mas, pode muito bem se concluir daqui, que haverá uma lembrança dos sofrimentos dos perseguidos, injuriados e oprimidos, uma lembrança tão real como se fosse feita ali semelhante oração, e que o opressor tem tanto a temer da divina vingança como aquele a quem injuriou, maltratou e humilhou, clamando no céu ao Deus que ouve as orações e súplicas (basta ver notas sobre a revelação, ponto 3).

Em passagens como esta o estudioso do Apocalipse pode ser desorientado pela definição popular da palavra "alma". Por essa definição é levado a supor que esse texto fala de alma imaterial,  invisível,  imortal, essência do homem que voa para sua cobiçada liberdade pela morte do corpo mortal, sem obstáculo e prisão. Nenhum exemplo do emprego dessa palavra no original hebraico, ou mesmo no grego, apoia semelhante definição. A maior parte das vezes significa "vida" e, não raras vezes, é traduzida por pessoa. Aplica-se tanto aos mortos como aos vivos, como se pode ver em Moisés (livro Gênesis, capítulo 2, versículo 7) onde a palavra "vivente" não precisaria lhe ter sido expressa se a vida fosse atributo inseparável da "alma". Ainda em Moisés (livro dos Números, capítulo 19, versículo 13) onde a concordância hebraica apresenta a alma morta, e, além disso, estas almas pedem que seja vingado o seu sangue. É a pura verdade! Estas almas pedem que seja vingado o seu sangue.
Preste bem atenção, isto é para meditar, porque, de quando em quando, é preciso fazer uma pausa para perceber o que está sendo dito ao mesmo tempo em que está sendo lido no próprio  Apocalipse. Porque muitos acompanham com o livro na mão, e é o mais certo.
Então, como explicamos isto: "alma" tem sangue?



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