repousassem ainda
um pouco de tempo, até que também se completassem o número dos seus conservos e
de seus irmãos que haviam de ser mortos como eles foram."
Isto é muito bonito mesmo, é um livro
impressionante! Ora, os acontecimentos que ocorrem debaixo do quinto selo são o
clamor dos mártires por vingança e a entrega de vestes brancas. Eis as
perguntas que, imediatamente, pedem solução:
- Refere-se este selo a um período de
tempo? Mas que período?
- Onde está o altar debaixo do qual
foram vistas estas almas? Quem são estas almas? Qual é a sua condição?
- Que significam as vestes brancas que
lhe são dadas?
- Quando repousam por um pouco de
tempo?
- E que significa a expressão "seus irmãos
serem mortos como eles próprios o foram"?
Temos de dar uma resposta satisfatória
a todas estas perguntas.
1ª) O quinto selo refere-se a um
período de tempo. É razoável que este selo, como todos os outros, se refira a
um período de tempo, e não nos podemos enganar na data da sua aplicação no
caso de termos localizado bem os selos precedentes. Vindo a seguir, ao período
de perseguições religiosas mais desenfreadas, o tempo abarcado por este selo
teria de se iniciar quando a Reforma começasse a minar o ANTICRISTÃO EDIFÍCIO
ROMANO E A RESTRINGIR O SEU PODER PERSEGUIDOR.
2ª) O altar. Não
pode tratar-se aqui de qualquer altar no céu, porque é, evidentemente, o lugar
onde estas vítimas foram mortas: o altar do sacrifício. Aliás, sobre este
ponto, escreve Clark: "Foi-lhe mostrada uma visão simbólica em que ele viu
um altar". E, debaixo dele, as
almas dos que tinham sido mortos pela Palavra de Deus, martirizados pela sua
dedicação ao Cristianismo e não ao cristianismo mistificador, o cristianismo
dos homens. Nós nos referimos ao Cristianismo do Cristo, que é o único e
verdadeiro. E estas almas são aqui apresentadas como mortas, vítimas, há pouco,
da idolatria, da superstição e do fanatismo. Em consequência o altar está na
terra e não no céu. Uma confirmação deste ponto de vista está no fato de que
São João contempla cenas que se passam no mundo, no nosso mundo. As almas são
representadas debaixo do altar, certas como é que o sangue das vítimas, que ali
foram mortas, correria para baixo dele e elas próprias cairiam a seu lado.
3ª) E as almas
debaixo do altar?
Esta figura é,
popularmente, considerada como prova de peso na doutrina do estado
desincorporado, desencarnado: o estado consciente dos mortos ou dos espíritos.
Pretende-se que
aqui se trata de almas vistas por São João no estado desincorporado,
consciente, com pleno conhecimento do que se estava passando. Por quê? Porque
clamavam vingança para os seus perseguidores. Ora esta interpretação é
inadmissível por diversos motivos:
a) a opinião
popular coloca estas almas no céu, mas o altar do sacrifício sobre que foram
mortos e debaixo do qual foram vistas, não pode encontrar-se lá, porque o único
altar que sabemos existir lá é o ALTAR DO INCENSO, e não seria correto representar-se
como estando debaixo do ALTAR vítimas recentemente mortas, visto que esse ALTAR
nunca foi consagrado a semelhante uso;
b) repugnaria todas
as nossas ideias, acerca do estado celestial, representar almas no céu
acaçapadas debaixo de um altar. Inconcebível!
c) Poderemos supor
que a ideia de vingança reine ainda tão soberanamente nas almas que estão no
céu, que, apenas alegrias e glórias desse estado inefável, ainda se encontram
insatisfeitas, constrangidas até que Deus tome vingança dos seus inimigos? Não
teriam, antes, motivo de se alegrarem pelo fato de a perseguição ter levantado
sua mão contra eles e os ter, assim, levados mais depressa à presença do
Redentor e, junto do Cristo, à plenitude de alegria e prazeres sem fim? Mas,
além disso, a opinião popular que coloca estas almas no céu, coloca, ao mesmo
tempo, os ímpios no lago de fogo, onde se contorcem num tormento indescritível
em plena visão da hoste celestial. Isto que pretendem é apoiado pela parábola
do rico e do Lázaro, contada pelo próprio Jesus no Evangelho segundo São Lucas,
no capítulo 16. Ora, as almas que aparecem sob o quinto selo são as que foram
mortas sob o selo precedente, dezenas de anos e muitas delas centenas e
centenas de anos antes. Sem dúvida alguma os seus perseguidores já tinham
todos passados do estado de ação e, segundo a opinião referida, já se
encontravam todos sofrendo os tormentos do inferno que estava diante dos seus
olhos.
Como se não
estivessem, porém, satisfeitas com isso, clamavam a Deus como se Ele estivesse
retardando o julgamento, a vingança contra seus assassinos. Mas que maior
vingança podiam elas querer, pois se os seus perseguidores estivessem ainda na
terra? Elas deviam saber, perfeitamente que, quando muito, dentro de poucos
anos se uniriam à vasta multidão que, diariamente, é arremessada para o mundo
do sofrimento através da porta da morte. Todavia, mesmo nesta suposição, não
aparece em melhor luz a sua viabilidade. Uma coisa pelo menos é evidente: a
teoria popular acerca da condição dos mortos (justos e ímpios) não pode ser
correta, ou então, não é correta a interpretação geralmente dada a esta
passagem, porque se excluem mutuamente. Mas insistem em que estas almas devem
ser conscientes porque clamam a Deus.
Este argumento
seria de peso se não houvesse uma figura de retórica chamada personificação. Mas,
havendo, vem a propósito debaixo de certas condições, atribuírem vida, ação,
inteligência a objetos inanimados. Vamos recordar, por exemplo, Moisés, no seu
livro Gênese, capítulo 4, versículos 9 e 10: "O sangue de Abel clamando a Deus desde a
terra".
No profeta Habacuque, no capítulo 2, vamos ver "a pedra clamava da parede e a trave lhe
respondia do madeiramento";
"O
jornal dos trabalhadores retido por fraude (jornal quer dizer salário) clamou e os
clamores entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos" (Tiago, capítulo 5, versículo 4).
Assim podiam clamar as almas mencionadas nesse texto, provando, por isso, que
elas não sejam conscientes.
O absurdo da
opinião popular sobre este versículo, é tão evidente que Burt faz a seguinte
concessão: Não devemos supor que isto sucedeu literalmente, isto, é, ao pé da
letra. Que São João viu as almas dos mártires debaixo de altar, porque toda
representação é simbólica. Nem devemos supor que os injuriados e maltratados
estejam agora no céu a pedir vingança contra aqueles que os maltrataram, ou que
os remidos no céu continuem orando com referência às coisas do mundo. Mas, pode
muito bem se concluir daqui, que haverá uma lembrança dos sofrimentos dos
perseguidos, injuriados e oprimidos, uma lembrança tão real como se fosse feita
ali semelhante oração, e que o opressor tem tanto a temer da divina vingança
como aquele a quem injuriou, maltratou e humilhou, clamando no céu ao Deus que ouve as orações e súplicas (basta ver notas sobre a revelação, ponto 3).
Em passagens como esta o estudioso do Apocalipse pode ser
desorientado pela definição popular da palavra "alma". Por essa
definição é levado a supor que esse texto fala de alma imaterial, invisível,
imortal, essência do homem que voa para sua cobiçada liberdade pela
morte do corpo mortal, sem obstáculo e prisão. Nenhum exemplo do emprego dessa
palavra no original hebraico, ou mesmo no grego, apoia semelhante definição. A
maior parte das vezes significa "vida" e, não raras vezes, é
traduzida por pessoa. Aplica-se tanto aos mortos como aos vivos, como se pode
ver em Moisés (livro Gênesis, capítulo 2, versículo 7) onde a palavra
"vivente" não precisaria lhe ter sido expressa se a vida fosse
atributo inseparável da "alma". Ainda em Moisés (livro dos Números,
capítulo 19, versículo 13) onde a concordância hebraica apresenta a alma morta,
e, além disso, estas almas pedem que seja vingado o seu sangue. É a pura
verdade! Estas almas pedem que seja vingado o seu sangue.
Preste bem atenção,
isto é para meditar, porque, de quando em quando, é preciso fazer uma pausa para
perceber o que está sendo dito ao mesmo tempo em que está sendo lido no
próprio Apocalipse. Porque muitos
acompanham com o livro na mão, e é o mais certo.
Então, como
explicamos isto: "alma" tem sangue?
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